Viajei por muitas horas para visitar um grande
amigo, que me aguardava em sua mansão. Ele havia se tornado um homem
empreendedor, reconhecido pelas suas habilidades e carisma. Receber-me-ia para
matar a saudade da infância, da adolescência, dos tempos de colégio e dos
últimos momentos que estivemos juntos, antes de partir em busca de seus
objetivos.
Ao chegar, permaneci vislumbrado com o paraíso
que o cercava. Tudo tinha mudado em sua vida. Meu humilde amigo se tornara um
poderoso indivíduo na sociedade, com direito às regalias mais fúteis que
poderia ser preparada aos seus pés. Agora, com 33 anos, a soberba havia lhe
serpenteado.
No jardim do palácio havia crianças inquietas
correndo sem direção, por entre as estatuetas de famosos imperadores do mundo.
No saguão de entrada, recebia-me de braços abertos um personagem num quadro
pintado detalhadamente: era ele, o cara que cresceu comigo. Mas seu semblante
transbordava soberba, capaz de intimidar quem fosse incomodá-lo.
Na sala, duas escadas posicionadas
simetricamente nas laterais confundiam os lados que eu deveria seguir. Luzes
fortes no centro; não reparei mais nada nesse cômodo, além dos degraus. Subi
pelo lado que minha intuição indicava, até chegar num corredor longo, repleto
de vasos de rosas amarelas. Ouviam-se gargalhadas distantes, aproximando-se à
medida que meus passos pesados fincavam o chão. Lá no fim do corredor ficava o
salão nobre.
Para a minha surpresa, chamou onze sócios em
sua casa, todos me receberiam no jantar. Na mesa, cabiam doze. E o meu assento
me esperava de frente para o anfitrião, como uma baixa meretriz seduz um homem.
Sentei-me, meio contrariado, devido ao excesso de elegância pressionada pelos
lustres e tapetes caros sob meu queixo.
Os caras cochichavam a meu respeito, sem a
pretensão de disfarçar tal indelicadeza. Cochichavam com meu amigo, agora outra
pessoa. Mais gargalhadas, cada vez mais altas! Suas taças brindavam a
arrogância, o chacoalhar dos vinhos arranhava minha mente. Meu sorriso era
forçado bastante, enquanto minhas mãos esmagavam-se de ódio por baixo do pano.
Minha presença se tornara cada vez menor,
desprezível, ao ponto de, por breves instantes, ignorarem-me. Mesmo assim,
engolia secos aqueles homens pedantes. Passavam pratos e talheres, as conversas
fúteis, a minha vontade de estar ali, as horas. As serventes eram debochadas,
depravadas, salientes. Da copa, vinham mulheres robustas e encorpadas nos
servir mais de luxúria do que da culinária.
Após a refeição, seus sócios participaram de
um ritual estranhíssimo. Ajoelharam-se aos pés do chefe, agradecendo-lhe o
convite. Enquanto isso, a figura enaltecida gabava-se, pedindo mais adulação.
Que cena grosseira! Fui obrigado a me ajoelhar com eles. Olhando nos seus olhos
– olhos vazios e irônicos que me desarmavam – fui descendo, até me juntar com
seus subordinados.
Cuspiu meu rosto.
Todos
riram do acontecido e aplaudiram seu Mestre. Passei a mão na sua saliva que
escorria pegajosa, olhei ao meu redor e levantei-me. Saí do cômodo, caminhei o
corredor infindável, desci a escadaria correndo, passei pelas crianças, filhas
das serventes seminuas, que tropecei, agarrando-se no jardim, passei pelo
portão sem trancá-lo. Parei ofegante do lado de fora. Virei para olhar a
casa e fitei, através da janela, seus olhos vermelhos à espreita.
Caminhei até a esquina e, sem que me notassem,
sumi num trovão estrondoso. No caminho, refleti que a humanidade não está
preparada para receber nenhum deus que seja. Eu havia me tornado um deus e
vinha salvar a humanidade. A esperança morreu, foi a última. Adeus a deus.