domingo, 7 de outubro de 2012

O circo levou


Numa bela tarde de domingo, avistei o comboio circense entrando pelo bairro. Era tudo mágico: cavalos enfeitados, palhaços sacanas, anões exibidos e mulheres quase despidas. O barulho causado pela trupe desconcentrou os moradores. Bumbos e cornetas explodiam de felicidade. As crianças corriam para alcançar as carretas extravagantes.

Quando passou pela porta de minha casa, fui envolvida pela infantil fantasia e corri, também, atrás da carreata. Aquele momento tornou-se a festa-de-todos-nós.

No dia seguinte, acordei cedo para admirar a superestrutura montada na pracinha central. As lonas estavam içadas, os personagens tinham as caras limpas, os animais domesticados dormiam contra a vontade. As cores eram o combustível da minha imaginação e isso me fascinava tanto!

Esperei sentada na grama, até que alguém do circo aparecesse. Não poderia deixar a oportunidade de lado e pedi: “Moça, como faço para entrar na arena?”. A senhora com feições de cigana respondeu-me: “Só precisa acreditar na sua criatividade e será sempre bem-vinda”. Meus olhos encolheram e ficaram miudinhos, até se fecharem. E assim minha infância veio à mente.

Sonhei com malabaristas equilibrando a graça do espetáculo; trapezistas voando livres e presos às mãos fortes; mágicos fazendo sumir e reaparecer, como poderiam fazer com a minha presença ali. A lona azul, a arquibancada cheia, algodão doce, luzes intermitentes, pipoca, alegria e eu no meio de tudo isso observava o show.

Quando abri os olhos, o céu era a lona e as estrelas, luzes. Então levantei para me aprontar. O espetáculo começava. Mas a vida não tinha parado. O relógio que acelerara.

 Ao voltar, senti uma vontade enorme de seguir com o circo pelo mundo afora, posto que o medo tomasse meu ser, porque o circo, assim como a vida, passa, mas não fica. E, por isso, devemos levar alegria a todo canto.

Decidida, entrei e fui falar com a moça que havia me recepcionado antes. Ofereci qualquer habilidade que supus adquirir. Em contrapartida, aplicou-me um teste. Se eu passasse, poderia seguir com eles.

“Senhora, o teste é bem simples. Você vai entrar naquele picadeiro e fazer todos chorarem de rir. Invente algo que marque os espectadores. Boa sorte!”

Parei para pensar num canto, milhões de sugestões vagaram minha cabeça, mas nenhuma seria capaz de produzir o efeito esperado. Piadas não seriam suficientes. Criei coragem e enfrentei meu receio. Caminhei até o centro, com um foco de luz na minha cabeça. Tinham centenas de olhos em mim e isso me incomodava. Improvisei:

“Eu tenho um poder incrível: aprendi a voar como uma borboleta.”

E as pessoas riram escandalosamente. Ouvir isso soava ridículo demais. Prossegui:

“Vocês também podem voar como uma borboleta. Fechem os olhos e imaginem. É esse o segredo. Quando menos notar, voando estará.”

Fechei os olhos para demonstrar, enquanto narrava o que se passava em minha mente. Contei da minha infância e dos meus amigos. Do prazer de estar ali, de ser uma grande domadora.

Quando despertei, o espetáculo já havia acabado. As pessoas não se interessaram pelo meu número. Sonhar não tinha graça.  O holofote se apagou e fui convidada a sair. Na porta, olhando para traz, chorei ao ver meu sonho sendo apagado, junto com as luzes. O circo se fechara com meu sonho lá dentro, agora esquecido. Levariam ele para bem longe de mim.




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