Numa bela
tarde de domingo, avistei o comboio circense entrando pelo bairro. Era tudo
mágico: cavalos enfeitados, palhaços sacanas, anões exibidos e mulheres quase
despidas. O barulho causado pela trupe desconcentrou os moradores. Bumbos e cornetas
explodiam de felicidade. As crianças corriam para alcançar as carretas
extravagantes.
Quando passou
pela porta de minha casa, fui envolvida pela infantil fantasia e corri, também,
atrás da carreata. Aquele momento tornou-se a festa-de-todos-nós.
No dia
seguinte, acordei cedo para admirar a superestrutura montada na pracinha
central. As lonas estavam içadas, os personagens tinham as caras limpas, os
animais domesticados dormiam contra a vontade. As cores eram o combustível da
minha imaginação e isso me fascinava tanto!
Esperei
sentada na grama, até que alguém do circo aparecesse. Não poderia deixar a
oportunidade de lado e pedi: “Moça, como faço para entrar na arena?”. A senhora
com feições de cigana respondeu-me: “Só precisa acreditar na sua criatividade e
será sempre bem-vinda”. Meus olhos encolheram e ficaram miudinhos, até se
fecharem. E assim minha infância veio à mente.
Sonhei com
malabaristas equilibrando a graça do espetáculo; trapezistas voando livres e
presos às mãos fortes; mágicos fazendo sumir e reaparecer, como poderiam fazer
com a minha presença ali. A lona azul, a arquibancada cheia, algodão doce,
luzes intermitentes, pipoca, alegria e eu no meio de tudo isso observava o
show.
Quando abri os
olhos, o céu era a lona e as estrelas, luzes. Então levantei para me aprontar.
O espetáculo começava. Mas a vida não tinha parado. O relógio que acelerara.
Ao voltar, senti uma vontade enorme de seguir
com o circo pelo mundo afora, posto que o medo tomasse meu ser, porque o circo,
assim como a vida, passa, mas não fica. E, por isso, devemos levar alegria a
todo canto.
Decidida,
entrei e fui falar com a moça que havia me recepcionado antes. Ofereci qualquer
habilidade que supus adquirir. Em contrapartida, aplicou-me um teste. Se eu
passasse, poderia seguir com eles.
“Senhora, o
teste é bem simples. Você vai entrar naquele picadeiro e fazer todos chorarem
de rir. Invente algo que marque os espectadores. Boa sorte!”
Parei para
pensar num canto, milhões de sugestões vagaram minha cabeça, mas nenhuma seria
capaz de produzir o efeito esperado. Piadas não seriam suficientes. Criei
coragem e enfrentei meu receio. Caminhei até o centro, com um foco de luz na
minha cabeça. Tinham centenas de olhos em mim e isso me incomodava. Improvisei:
“Eu tenho um
poder incrível: aprendi a voar como uma borboleta.”
E as pessoas
riram escandalosamente. Ouvir isso soava ridículo demais. Prossegui:
“Vocês também
podem voar como uma borboleta. Fechem os olhos e imaginem. É esse o segredo.
Quando menos notar, voando estará.”
Fechei os
olhos para demonstrar, enquanto narrava o que se passava em minha mente. Contei
da minha infância e dos meus amigos. Do prazer de estar ali, de ser uma grande
domadora.
Quando
despertei, o espetáculo já havia acabado. As pessoas não se interessaram pelo
meu número. Sonhar não tinha graça. O
holofote se apagou e fui convidada a sair. Na porta, olhando para traz, chorei
ao ver meu sonho sendo apagado, junto com as luzes. O circo se fechara com meu
sonho lá dentro, agora esquecido. Levariam ele para bem longe de mim.
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