sábado, 29 de setembro de 2012

Espelho meu


Deitado no chão eu só via a infiltração que decorava o teto. Tinha cheiro de mofo impregnando o ambiente, ruídos de insetos, uma música vazia que me machucava.

Um espelho e pouca iluminação eram o que me cercavam.

De relance, olhei para a minha imagem, brotando à medida que minha coragem permitia observá-la. Olhos fundos, boca seca, cabelos desarrumados. Sujo.

Levantei para conferir de perto meu rosto. O reflexo não me acompanhou. Então parei perplexo vendo aquele ser estirado e sem ânimo para erguer-se.

As gotas que rolavam e tocavam a sinfonia da solidão seriam incapazes de ressuscitar a imagem.

Bati no espelho com as pontas dos dedos, temendo sua fragilidade. O vidro estremeceu, mas sequer comoveu quem permanecia imóvel. Deslizei meu corpo sobre o espelho, rosto, mãos, ouvidos. 

“Por que não alcançá-lo?”

Desejei não estar ali. Procurei a saída, sem sucesso. A escuridão era severa demais para isso.

Bati no vidro. Nada.

Alguns ratos transitavam sobre o corpo que jazia. Eu me reconhecia nele, era eu mesmo. Porém um abismo tênue nos separava. Por esse abismo nem a sombra ousava passar.

Minhas roupas, rotas, pesavam minha consciência e dificultava meus movimentos – olhar e não ver. Forcei um choro porque a sede sucumbia à carne. As lágrimas eram fontes de água limpa. Mirei cada pingo na língua cansada exposta.

Toquei o vidro. Bati forte. Gritei meu nome. Abri e fechei os olhos infinitas vezes. Imaginei minha existência. E fracassei.

Sentei no chão com as pernas cruzadas. Agora de costa para o eu-deitado. Vez ou outra olhava para trás ao ouvir a canção que ecoava. Um som afiado cortava meus pensamentos em pedaços. Partia-me ao meio. O barulho do vazio que existia mim.

Subitamente, levantei e virei-me ao espelho. Não havia mais o homem por lá. Nem mesmo o som.  Sozinho por completo, preso deste lado, penetrei na ausência do reflexo.


Percebi que a imagem era eu, e nunca fora ele.



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